sexta-feira, 3 de maio de 2013

Análise do Filme NO de Pablo Larrain




Este comercial está inserido em um contexto social. Hoje, Chile é um país que pensa no futuro”, afirma o publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal) um pouco antes de tentar vender uma peça publicitária a um cliente seu, fabricante de refrigerantes de nome sugestivo para o contexto do filme, Free. Conhecemos assim o discurso que vai vir a partir dali, um cinismo exacerbado pelo publicitário que no Chile neoliberal de Pinochet só se vive no hoje e não se tem um devir tal como analisara Bakhtin. Não se tem uma memória de futuro porque no capitalismo só se vive o agora e o que faz o capitalismo ser como é trata-se do imediatismo.



Discute-se esse imediatismo e falta de devir no filme do diretor Pablo Larrain, que foi candidato ao Oscar neste ano e encerra uma trilogia sobre o período Pinochet e a ditadura no país.  O filme Post Morten trata do golpe em 1973 e Tony Manero aborda a face mais sombria do regime, retratando 1978. O ano de Não é 1988 e as torturas são passado, mesmo que ainda recente na mente dos chilenos. Pressionado pela comunidade internacional Pinochet anuncia um plebiscito para decidir se continuará no poder. Reúne-se a oposição, que se trata de 17 partidos pequenos e desorganizados que tem a missão de convencer o povo não a dizer não ao regime e sim criar coragem para ir votar e aí sim dizer o NÃO que dá um fim ao regime totalitário de 17 anos, mas que deu ao Chile estabilidade econômica.


Uma coisa interessante é que a razão de René ter aceitado não fica claro no filme, como se seu posicionamento ideológico não pudesse ser demonstrado aos espectadores. Ele tem de comandar por 27 dias um programa diário de TV  com 15 minutos de duração. Os esquerdistas o respeitam porque ele é um filho de um militante e tendo vivido exilado no exterior conhece as mazelas do regime. Porém, o publicitário vive e goza bem das benesses do sistema de Pinochet já que mora em boa casa, tem carro esporte, casa na praia, presenteia o filho com presentes caros, anda de skate nas ruas e já possui um micro-ondas, símbolo da modernidade proporcionada pelo novo regime. O que lhe falta é uma família tradicional, já que vive separado da mulher, uma esquerdista radical que vive sendo presa e o afasta do ideal publicitário de uma família feliz.


Faz-se aqui um aparte a uma série norte-americana de sucesso Mad Men que trata de como se pode atacar alguém com base na própria crença porque René tem tirada de si a ideia de uma família perfeita, porque Pinochet mesmo que indiretamente é o responsável pelo fim do casamento de René.  Em suma, o plebiscito é a busca de restabelecer essa ilusão, portanto, não para atender a um chamado democrático nacional e sim a um projeto pessoal, tanto de orgulho de vender o produto invendável até o início da campanha quanto de acreditar na própria mentira Feliz que conta, porque após vender o Não, o país começa a tratar com o NÃO MAIS, ou seja, a partir daquele ponto não poderia mais avançar em nada.



Então, faz mais que todo o sentido que a campanha do não fosse criada e formatada como um comercial de TV em que a alegria torna-se o mote. Para dialogar com o período retratado, o diretor filmou em película que recorda as imagens de TV da época, em película utilizada pela propaganda da época, tal como se fosse visto um filme 3D de hoje sem óculos, em que sonho e realidade se misturam.


Em suma, se o personagem parece desconectado e entorpecido ao fim do plebiscito, não é pelo resultado, aparentemente, mas por perceber que a alegria que vendera na propaganda tornara-se produto de consumo popular e não mais um símbolo restrito. Nisto, a câmera fixa em Bernal  em que se pode ver a conquista pessoal diluída no contexto da alegria popular vigente. E no fim, mais uma vez, ele volta para vender o Chile do futuro totalmente engajado agora em um contexto social novo, mas que ele não sabe como é, mas com certeza o vende muito bem.


Ivo Di Camargo Junior
Professor Mestre
UFSCar – Membro GEB UNESP 


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