quinta-feira, 23 de maio de 2013

Comentário sobre o filme No.




Sandro Viana Essencio – Mestrando Unesp/Assis “Literatura e Vida Social” – Bolsista Fapesp – sandroessencio@yahoo.com.br


            Uma boa maneira de se compreender o filme, “No”, dirigido por Pablo Larraín, certamente passa pelo foco narrativo, ou melhor, pelos horizontes de visão que perpassam a obra. De imediato, vê-se na primeira cena que a câmera que focaliza os personagens é dinâmica, não-estanque. Numa estética que dialoga com as experimentações do movimento “Dogma 95”, fazendo emergir, do plano da forma para o plano do conteúdo, um dado pleno de sentido em si mesmo. O movimento Dogma 95, iniciado pelos diretores dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg, buscava criar um cinema mais realista, limpando a arte cinematográfica dos seus aspectos puramente comerciais através de alguns princípios estéticos e éticos bem delimitados, conhecidos também como “votos de castidade”:

1.    Filmagens em locais verdadeiros, sem a utilização de acessórios ou cenografia artificial.
2.    O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa.
3.    A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos – ou a imobilidade – devidos aos movimentos do corpo.
4.    O filme deve ser em cores, sem nenhuma iluminação especial.
5.    São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6.    O filme não deve conter nenhuma ação “superficial”.
7.    São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos.
8.    São inaceitáveis os filmes de gênero.
9.    O filme final deve ser transferido para cópia em 35mm, padrão, com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi abrandada para permitir a realização de produções de baixo orçamento.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

            “No” não é um filme do movimento Dogma 95, nem poderia a ele ser vinculado. No entanto, dialoga conscientemente com expedientes desse movimento e insere nessa tradição novos significados. Um primeiro dado significativo que salta do plano do enfoque é uma crítica ao cinema comercial tradicional, à gramática hollywoodiana, que impõe o modo como a vida deve ser representada, voltando-se contra essa fato estético, o filme rebela-se no plano do conteúdo contra todo o ideário envolvido com a dominação cultural, da qual o cinema norte-americano é grande frente de batalha.
            Na cena em que o publicitário René Saavedra e seu patrão estão conversando sobre Urrutia ser ou não um comunista, René, subitamente, pergunta-lhe sobre o micro-ondas, há um corte e a tomada é transferida para um restaurante. O patrão começa a explicar que é tecnologia em ascensão e pergunta-lhe se ofereceram a René a campanha do “Não”. René, por sua vez, insiste na evasão: “Vamos falar disso ou do micro-ondas?”. No filme, o micro-ondas atua como um símbolo da crítica ao progresso, ou melhor que símbolo uma metonímia do desenvolvimento, onde a parte representa o todo. O “progresso”, por sua vez, figura como discurso evasivo dos militares, “apesar da crescente repressão temos o progresso”. Esse é um dos grandes achados do filme que trabalha de maneira muito equilibrada microcosmos e macrocosmos.
            Toda obra de arte, que aspire a tal e não se enquadre apenas nos moldes vendáveis dos produtos da indústria cultural, possui uma relação especial com o tempo. Refletindo sobre a relação entre os sujeitos e o tempo experienciado por estes em seus atos cotidianos. No filme, destacam-se dois tipos de planos temporais: um primeiro é o tempo mítico ligado à “voz oficial”, que propõe o caráter estanque da vida social, suprimindo as mudanças inevitáveis da vida social através dos pequenos avanços experimentados sob o regime de Pinochet; o segundo, fundamentalmente contra-hegemônico, vale-se da transformação histórica consciente e coletiva, do tempo que se impulsiona para frente, para a mudança social.
            Na campanha publicitária para o “Não” imbricam-se os dois planos. A voz oficial aparece com destaque de seu caráter “oficial” e sério, associada sobretudo à violência necessária à sua perpetuação, enquanto a voz “não-oficial” pauta-se na alegria, na superação da dominação através do riso regenerador. Ocorre, assim, através do alegre discurso publicitário a desconstrução da voz oficial e do seu tempo mítico e fechado, abrindo todo um horizonte de possibilidades humanistas e que visem o desenvolvimento das pessoas – dos indivíduos – e não mais da economia, do ponto de vista do mercado internacional.
            De maneira geral, o filme rebela-se contra a imposição de um modo de ser totalizante e inimigo das singularidades. Quer se esteja pensando no modo comum de se filmar e representar a realidade em matéria fílmica, quer se tenha em mente os desmandos de um governo autoritário que limita as liberdades físicas e espirituais de todo um país, a crítica do filme atinge a vontade de padronização imposta pelo capitalismo tardio através das ditaduras nos países subdesenvolvidos.
            Mesmo a saga pessoal do herói – René Saavedra – só pode ser devidamente compreendida na junção das vozes oficial e não-oficial. O contato áspero com a realidade não atinge o herói diretamente que pode, na sua missão profissional de vender apenas mais um produto, tanto ligar-se a campanha para o “Sim” quanto ligar-se a campanha para o “Não”. No entanto, através da figura de sua ex-mulher – fervorosa militante da esquerda libertária –, René entende que é necessário assumir uma postura responsável diante da vida, uma postura que seja eticamente orientada. Ainda que sua conduta seja de distanciamento ante o produto – político – que vende através da campanha, o simples fato de assumir a responsabilidade pela voz do “Não” é em si mesmo um posicionamento axiológico do herói, o qual corresponde ao posicionamento empático do diretor.
            Ainda que o filme seja, numa finalidade última, também um produto e que deva ser comercializado como tal, o seu conteúdo espiritual é político e o diferencia da série de produtos semelhantes a que o público está habituado. No entanto, um conteúdo fortemente ideológico quando trabalhado de maneira artisticamente habilidosa não permite que a obra se reduza ao panfleto, mas incorpore à sua própria estrutura formal aspectos da crítica que veicula.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Análise do Filme NO de Pablo Larrain




Este comercial está inserido em um contexto social. Hoje, Chile é um país que pensa no futuro”, afirma o publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal) um pouco antes de tentar vender uma peça publicitária a um cliente seu, fabricante de refrigerantes de nome sugestivo para o contexto do filme, Free. Conhecemos assim o discurso que vai vir a partir dali, um cinismo exacerbado pelo publicitário que no Chile neoliberal de Pinochet só se vive no hoje e não se tem um devir tal como analisara Bakhtin. Não se tem uma memória de futuro porque no capitalismo só se vive o agora e o que faz o capitalismo ser como é trata-se do imediatismo.



Discute-se esse imediatismo e falta de devir no filme do diretor Pablo Larrain, que foi candidato ao Oscar neste ano e encerra uma trilogia sobre o período Pinochet e a ditadura no país.  O filme Post Morten trata do golpe em 1973 e Tony Manero aborda a face mais sombria do regime, retratando 1978. O ano de Não é 1988 e as torturas são passado, mesmo que ainda recente na mente dos chilenos. Pressionado pela comunidade internacional Pinochet anuncia um plebiscito para decidir se continuará no poder. Reúne-se a oposição, que se trata de 17 partidos pequenos e desorganizados que tem a missão de convencer o povo não a dizer não ao regime e sim criar coragem para ir votar e aí sim dizer o NÃO que dá um fim ao regime totalitário de 17 anos, mas que deu ao Chile estabilidade econômica.


Uma coisa interessante é que a razão de René ter aceitado não fica claro no filme, como se seu posicionamento ideológico não pudesse ser demonstrado aos espectadores. Ele tem de comandar por 27 dias um programa diário de TV  com 15 minutos de duração. Os esquerdistas o respeitam porque ele é um filho de um militante e tendo vivido exilado no exterior conhece as mazelas do regime. Porém, o publicitário vive e goza bem das benesses do sistema de Pinochet já que mora em boa casa, tem carro esporte, casa na praia, presenteia o filho com presentes caros, anda de skate nas ruas e já possui um micro-ondas, símbolo da modernidade proporcionada pelo novo regime. O que lhe falta é uma família tradicional, já que vive separado da mulher, uma esquerdista radical que vive sendo presa e o afasta do ideal publicitário de uma família feliz.


Faz-se aqui um aparte a uma série norte-americana de sucesso Mad Men que trata de como se pode atacar alguém com base na própria crença porque René tem tirada de si a ideia de uma família perfeita, porque Pinochet mesmo que indiretamente é o responsável pelo fim do casamento de René.  Em suma, o plebiscito é a busca de restabelecer essa ilusão, portanto, não para atender a um chamado democrático nacional e sim a um projeto pessoal, tanto de orgulho de vender o produto invendável até o início da campanha quanto de acreditar na própria mentira Feliz que conta, porque após vender o Não, o país começa a tratar com o NÃO MAIS, ou seja, a partir daquele ponto não poderia mais avançar em nada.



Então, faz mais que todo o sentido que a campanha do não fosse criada e formatada como um comercial de TV em que a alegria torna-se o mote. Para dialogar com o período retratado, o diretor filmou em película que recorda as imagens de TV da época, em película utilizada pela propaganda da época, tal como se fosse visto um filme 3D de hoje sem óculos, em que sonho e realidade se misturam.


Em suma, se o personagem parece desconectado e entorpecido ao fim do plebiscito, não é pelo resultado, aparentemente, mas por perceber que a alegria que vendera na propaganda tornara-se produto de consumo popular e não mais um símbolo restrito. Nisto, a câmera fixa em Bernal  em que se pode ver a conquista pessoal diluída no contexto da alegria popular vigente. E no fim, mais uma vez, ele volta para vender o Chile do futuro totalmente engajado agora em um contexto social novo, mas que ele não sabe como é, mas com certeza o vende muito bem.


Ivo Di Camargo Junior
Professor Mestre
UFSCar – Membro GEB UNESP 


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não - Filme Chileno - Discussões em reunião de 27/04/2013

Caros companheiros bakhtinianos, nosso grupo reuniu-se no  sábado dia 27 de abril e em proveitosa reunião discutimos em voz bakhtiniana o filme NÃO, finalista do Oscar 2013 e que retrata o fim da ditadura chilena. Postaremos aqui os primeiros resultados escritos do debate.


DIÁLOGO COM O FILME “NÃO” DO DIRETOR CHILENO PABLO LARRAÍN

Dra. Ester Myriam Rojas Osorio - Líder GEB



                Neste trabalho dialogamos com o filme do Diretor Chileno, “NÂO”, espaço em que o roteirista, baseado na obra dramática de Antônio Skármeta El Plebiscito, recria os bastidores do plebiscito que coloca fim na ditadura do General Augusto Pinochet no ano 1988, no Chile.

                Tentamos desvendar a relação dialógica que nos entrega Larraín, responsável da obra estética: com a realidade histórica do Chile; com historia pessoal do protagonista, o jovem publicitário René Saavedra, executivo que tem como tarefa liderar a campanha do “Não”.

                Temos presente que o diretor não só se vale dos enunciados escritos ou falados para transmitir sua mensagem, vale se, também, das linguagens polifônicas próprias da sétima arte: música, dança, jogo de luzes, documentais autênticos da TV da época, cores, todos estes recursos ajudam despertar uma postura crítica do espectador, que a sua vez faz a leitura interpretativa somando seu conhecimento humano à relação com o mundo real em que vive.

                O filme lembra que o General Pinochet tinha governado com mão de ferro o país, há 15 anos. A ditadura tinha tido seu inicio o ano 1973, quando as forças armadas chilenas, junto a uma elite burguesa, com apoio da imprensa, e, sobre tudo, da CIA Americana, assumirem as diretrizes do governo chileno por meio de um sangrento golpe militar.

                O diretor coloca seu foco no olhar do publicitário, recém-chegado do exílio, profissional que entende que seu trabalho consiste em vender um produto. Seu sucesso consiste em conseguir vender uma ideologia através dos símbolos: alegria, felicidade, música, otimismo. Ou seja, consegue prometer um país mais feliz sem Pinochet, é dizer: sem mais violações aos direitos humanos, sem ódio, sem violência, sem medo. Essa alegria seria um renascer social.

                Larraín, já concedeu vozes a outros protagonistas para repassar a história vivida pelo povo chileno sob a cruel ditadura de Pinochet. Em Tony Manero, filme Chileno-Brasileiro de 2008, quem vive os escuros anos da ditadura (1978) é o psicótico, obsessivo e perturbado ator que quer ser outro, que brilha nas discotecas do mundo, Tony Manero (John Travolta), que tem sucesso, riqueza, consumo, ou seja, felicidade. Em Post Mortem, filmada em 2010, a voz fica a cargo de Mario Cornejo, auxiliar forense que deve transcrever as autopsias durante o golpe militar, entre elas, este auxiliar transcreve, sem nenhuma consciência, a autopsia do falecido presidente Salvador Allende. Por estes três filmes (Tony Manero, Post Mortem e Não) O diretor ganhou uma série de prêmios em festivais internacionais, inclusive, com o Não concorreu ao Oscar como melhor filme estrangeiro em 2012.

                A voz do artista grita e protesta, entre muitos outros gritos, pelo silenciamento e perseguição que os artistas chilenos sofreram durante vinte anos.